quarta-feira, 26 de outubro de 2011

DESCASO AMBIENTAL - RIO PASSO FUNDO AGONIZA NO LIXO


Burocracia estaria impedindo a limpeza do curso d’água e a remoção de 20 toneladas de resíduos - LEANDRO BECKER, ZERO HORA 26/10/2011

Em vez de água, lixo. Muito lixo. Isopor, garrafas plásticas, bolas e até uma prancha de surfe se espalham por cerca de cem metros do Rio Passo Fundo. Enquanto a burocracia atrasa a remoção de mais de 20 toneladas de lixo, peixes agonizam pela sobrevivência em Passo Fundo, no norte do Estado.

Oápice da sujeira fica a cerca de dois quilômetros de uma ponte na rodovia Passo Fundo-Carazinho (BR-285). Em meio a materiais de construção, latas e até sofás, a água mal aparece. Nos arredores, o lixo se espalha a cada cheia, e as fortes chuvas, especialmente a partir de julho, agravaram a situação no local.

Um dos descobridores do descaso por meio de imagens via satélite, o observador meteorológico da Embrapa Trigo Ivegndonei Sampaio lamenta a poluição do rio.

– Vendo a cena, a gente imagina tudo, menos que tenha um rio.

Em maio, oito toneladas de resíduos foram retiradas das águas. O município obteve autorização emergencial do Departamento Estadual de Florestas Protegidas (Defap) para remover mata nativa e fazer a limpeza

Desta vez, a situação é diferente. Apesar de já ter sido demarcada a área de mata ciliar a ser removida, a engenheira agrônoma responsável pela Agência do Defap em Passo Fundo, Maria Helena Bassan Benedetti, diz que o impasse não se resume à vegetação. Segundo ela, é preciso um estudo de impacto ambiental e autorização da Fepam, que ainda não teria recebido nada sobre o assunto.

A prefeitura fará, nesta semana, um pedido para remover a mata em uma área de 42 metros de comprimento por cinco metros de largura. Se isso for negado, o município vai buscar ajuda no Ministério Público.

sábado, 15 de outubro de 2011

O GOLPE VERDE


Empresas carimbadas como ecologicamente corretas burlam as leis, passam a promover a exploração predatória de florestas no Acre e viram alvo do Ministério Público - Izabelle Torres e Vasconcelo Quadros - REVISTA ISTO É, N° Edição: 2188, 15.Out.11 - 21:34


Nos últimos 13 anos, o marketing da madeira sustentável deu ao Acre uma invejável posição no mercado internacional. Atraídos por facilidades e incentivos fiscais, os empresários madeireiros enriqueceram e geraram divisas com suas exportações. Também abasteceram as campanhas da nova elite política regional com polpudas verbas. Parecia um ciclo virtuoso até que, na semana passada, seringueiros e ambientalistas da região entregaram ao Ministério Público do Acre um relatório listando uma série de irregularidades no processo de manejo florestal, entre elas o descumprimento das leis ambientais, a quebra de acordos das empresas com os moradores das regiões e as falhas de monitoramento pelos órgãos estaduais. Com base nessa documentação, o Ministério Público do Acre abriu um inquérito civil. ISTOÉ teve acesso aos documentos entregues à Promotoria do Meio Ambiente e a um vídeo que mostra que a Floresta Estadual do Antimary, até então considerada modelo de exploração sustentável, tem se transformado num verdadeiro cemitério de toras de madeira. “A situação é grave. Estamos atuando para restringir os danos para a natureza e para as comunidades”, diz a promotora de Justiça do Meio Ambiente, Mary Cristina do Amaral.

A primeira entidade a levantar suspeitas foi o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), ONG que nos últimos anos distribuiu às empresas o selo verde responsável por atestar a qualidade da madeira acriana nos mercados europeu e asiático. Representante no Brasil da ONG FSC, de renome mundial, o Imaflora recusou-se a certificar uma nova área de manejo florestal à Laminados Triunfo Ltda. Maior madeireira da Amazônia, a Triunfo pertence ao empresário Jandir Santin, amigo e aliado bem próximo do senador Jorge Viana (PT-AC), que, quando governador, lançou o conceito de gestão conhecido como “florestania”. A Triunfo é o principal alvo das investigações do Ministério Público. As inspeções iniciais já encontraram mostras da ação predatória da empresa em diferentes áreas cuja exploração está sob sua responsabilidade. Além do entupimento de córregos e rios, houve migração da caça e pagamentos irrisórios às comunidades pela madeira retirada. As empresas concessionárias pagam, por exemplo, cerca de R$ 20 por árvore branca e de R$ 50 por madeira dura, a grande maioria delas com idade de 200 anos. Segundo especialistas, uma árvore com seis metros cúbicos vale perto de R$ 3.500.

O vídeo gravado por integrantes das entidades ambientais, na mata de Limoeiro, encostada à Floresta Estadual do Antimary, mostra que uma área de 65 mil hectares está sendo depenada pelos madeireiros. Projetada como laboratório para levar o manejo aos 60 milhões de hectares de florestas acrianas, a região é o retrato do fracasso do projeto: a agrovila de madeira, com serraria, escola, posto de saúde e várias outras casas, nunca foi usada. Os moradores reclamam que a madeireira Canaã desapareceu depois de retirar a madeira, sem pagar o que prometera à comunidade, e a mata de 11 mil hectares perdeu todas as suas árvores centenárias. “Eles disseram que em 25 anos dá para tirar de novo árvores do mesmo porte. Duvido. Já faz sete e as que ficaram, de tão finas, só servem para cabo de vassoura e palito de dente”, diz o agricultor Arnôr Nascimento Barreto. O sentimento do agricultor é respaldado por estudos técnicos. A Escola de Agricultura da USP acompanhou ações de manejo e concluiu que o prazo de 30 anos considerado ideal para que as matas se recuperem é curto demais. Segundo o estudo técnico, a exploração controlada é uma ilusão e o manejo sustentável não se sustenta.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O CONFLITO AMBIENTAL

MURILO FLORES, PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE (FATMA)- DIÁRIO CATARINENSE, 14/10/2011

Tecnicamente, discutir questões ambientais é imergir na análise de sistemas complexos, onde causa e efeito não têm um sentido linear. Haverá sempre incertezas a respeito das consequências a partir de uma ação humana. Por isso, o princípio da precaução é um parâmetro importante para tomada de decisão. A incerteza suscita embates de pontos de vista científicos. Talvez o maior deles seja: a ação humana está ou não causando mudanças climáticas?

Quando o debate se dá na opinião pública, o assunto se torna ainda mais difícil. Porque, por trás de cada posicionamento, há uma diversidade de visões de mundo que percebem a questão ambiental de forma diferente, passando a ser assunto para as ciências sociais.

Em Florianópolis, o tema é acirrado. A divergência sobre um projeto para a cidade é evidente e confronta diversos grupos: nativos versus imigrantes; nativos conservadores versus nativos modernizantes; imigrantes conservadores versus imigrantes modernizantes. E assim vai. Além disso, dependendo da visão de mundo de cada grupo, a legislação (leia-se órgãos ambientais) é vista como se estivesse a serviço dos grandes interesses econômicos, ao permitir um empreendimento indesejado por grupos sociais. Ou é vista como aplicada apenas aos que têm que obter licença ambiental (empreendedores), sendo leniente com as populações pobres quando ocupam áreas de preservação permanente (APP) – margens de rios, morros – e o poder público não toma providência de retirada.

E não é raro que a crítica ambiental venha de alguém que vive numa área de APP. De forma simplista, alguns querem preservar o meio ambiente na casa dos outros. Será necessário muito diálogo para que essas grandes divergências que marcaram a nova configuração cultural da cidade, com modificações profundas nos últimos 40 anos, convirjam para um projeto socioambiental de desenvolvimento, em que as trincheiras atuais se desarmem. Ao final, todos têm um pouco de razão.

domingo, 2 de outubro de 2011

ECOCÍDIO, UM CRIME MUNDIAL


Advogada ambientalista britânica propõe que desastres ambientais sejam considerados crimes contra a paz e passem a ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional da ONU. Hélio Gomes - REVISTA ISTO É, N° Edição: 2186, 02.Out.11 - 14:08

Genocídio, crime contra a hu­manidade, agressão entre países e crime de guerra. Em breve, a lista de atrocidades passíveis de julgamento na mais alta corte da Organização das Nações Unidas, o Tribunal Penal Internacional, pode aumentar. E o delito em questão promete inaugurar um novo verbete em dicionários das mais diversas línguas: ecocídio, ou dano extensivo, destruição e perda de ecossistemas em qualquer parte do globo (leia a definição completa no quadro acima).

A ideia, que deve ser votada pela ONU em 2012, é fruto da mente inquieta da advogada ambientalista escocesa Polly Higgins. Filha de um meteorologista, ela abraçou a causa ambiental há cerca de uma década, depois de construir uma bem-sucedida carreira na vara trabalhista. Desde então, ganhou destaque como autora da Declaração Universal de Direitos do Planeta – baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e já aceita pela ONU – e criadora da Wise Women Network (Rede de Mulheres Sábias), organização que tem como missão estimular a discussão sobre o aquecimento global entre as britânicas. Radical sem ser xiita, conquista cada vez mais respeito – e alguns detratores, claro – ao advogar em nome de um só cliente: o planeta Terra.

Depois de obter o apoio de figuras de peso na Grã-Bretanha, Higgins foi capaz de convencer a Suprema Corte de seu país a rea­lizar o julgamento de um ecocídio fictício. Encenado na sexta-feira 30 e transmitido ao vivo pela internet e via tevê por assinatura, ele foi protagonizado por procuradores e advogados de verdade, que acusaram e defenderam um alto executivo – interpretado por um ator – de uma gigante do petróleo. Sentado no banco dos réus, o CEO foi responsabilizado pelos danos causados por um derramamento sem precedentes no Golfo do México (alguém se lembra da tragédia da BP em 2010?) e por um desastre decorrente da extração de óleo de areias betuminosas no Canadá. O debate de improviso, segundo os organizadores, levantou questões importantes, como a divisão da culpa entre governos e empresas e as formas de medição do alcance dos danos. Depois de horas de argumentação, o júri considerou o CEO parcialmente culpado pelos desastres.

ATIVISMO. A escocesa Polly Higgins, que se autodefine como “advogada da Terra”


“Em sua essência, um ecocídio é a antítese da vida”, resumiu Higgins em conversa com ­ISTOÉ no Twitter enquanto o julgamento acontecia em Londres. Segundo a advogada, sua principal intenção ao propor a nova lei à ONU não tem nada a ver com o revanchismo típico dos defensores mais fundamentalistas da natureza. “Não quero ver um monte de executivos na cadeia. Acredito que uma lei para os ecocídios poderia fazer com que essas pessoas tenham mais responsabilidade sobre seu trabalho”, diz a escocesa.

Para Diogo Antônio Correa dos Santos, advogado especialista em direito internacional, a cruzada de Higgins na ONU não deve ser fácil. “Já existem diversas convenções que inclusive preveem sanções a quem não cumpri-las. Os Estados é que precisam se comprometer com a fiscalização”, afirma. Santos lembra que criar uma lei internacional ainda exige que ela esteja de acordo com o texto legal de cada país. “Se a legislação for contrária à Constituição local, não terá efeito”, diz. No caso das leis regidas pelo Tribunal Penal Internacional, elas precisam ser aprovadas por pelo menos 86 dos 116 países signatários – Brasil inclusive –, uma briga difícil.

A principal justificativa de Higgins em sua proposta para incluir o ecocídio na lista dos chamados crimes contra a paz é a de que a escassez de recursos inevitavelmente leva ao conflito. “A guerra vem a reboque nos lugares onde a natureza é destruída pela ação do homem”, conclui a ambientalista. Resta saber se o seu argumento será capaz de convencer o mundo.